Teorema de Tychonoff e o tal Alexander — parte 1: caso finito

Suponha que X_\lambda seja uma coleção de espaços topológicos compactos. Primeiramente, vamos mostrar que se a coleção for finita o espaço produto será também compacto. A situação é mais complicada quando a coleção não é finita, mas o resultado continua valendo. Este é o teorema de Tychonoff.

Sempre que começo a falar de topologia o assunto começa a se estender muito. Por isso esse post será dividido em duas partes. A primeira parte tratará de algumas definições e propriedades de espaços topológicos em geral e da topologia produto para uma coleção finita de espaços topológicos. O post ficou longo porque considero importante que seja explicitado o papel exercido pelas bases e sub-bases dos espaços topológicos ao invés de embutir essas propriedades no meio das demonstrações.

Definição: Um espaço topológico (X, \tau) é compacto quando qualquer cobertura aberta finita (ou seja, uma família de abertos A_\gamma tal que X = \bigcup A_\gamma) possuir uma subcobertura finita.

Definição: Uma sub-base para um espaço topológico (X, \tau) é uma família geradora da topologia. Ou seja, é um subconjunto \mathcal{C} \subset \tau, tal que a menor topologia de X que contém \mathcal{C} é exatamente \tau. A topologia gerada por \mathcal{C} é denotada por \tau(\mathcal{C}).

Definição: Uma base para um espaço topológico (X, \tau) é uma sub-família \beta \subset \tau, tal que todo aberto não vazio pode ser escrito como uma união de elementos de \beta.

Muitos fenômenos topológicos podem ser facilmente caracterizados através de bases ou sub-bases da topologia considerada. Por exemplo, para que uma aplicação f: (X, \tau_X) \rightarrow (Y, \tau_Y) seja contínua, basta que para uma sub-base \mathcal{C} \subset \tau_Y, tenhamos f^{-1}(\mathcal{C}) \subset \tau_X. Isso se deve ao fato de a aplicação f^{-1}: 2^Y \rightarrow 2^X preservar as operações de união e interseção.

É fácil perceber (lema a seguir) que para saber se um espaço é compacto, basta considerar apenas as coberturas formadas por uma base qualquer da topologia. O que não é tão evidente é que de fato é suficiente considerar uma sub-base. Este é o teorema de Alexander, que demonstraremos na segunda parte deste post.

Lema 1: Seja (X, \tau) um espaço topológico e \beta \subset \tau uma base. Então X será compacto se, e somente se, toda cobertura de X formada por elementos A_\gamma \in \beta possuir uma subcobertura finita.

Demonstração:
Seja B_\iota \in \tau uma cobertura de X. Cada B_\iota é escrito como uma união B_\iota = \bigcup A_{\iota\gamma} de elementos da base \beta. A família A_{\iota\gamma} \in \beta é uma cobertura de X e por hipótese, possui uma subcobertura finita A_{\iota_1\gamma_1}, \dotsc, A_{\iota_n\gamma_n}. Como A_{\iota_j\gamma_j} \subset B_{\iota_j}, é evidente que B_{\iota_1}, \dotsc, B_{\iota_n} é uma subcobertura finita.


Ao contrário do que acontece por exemplo com \sigma-álgebras, a topologia gerada por uma família \mathcal{C} é bastante fácil de descrever. E, por sorte :-), também é fácil apresentar uma base para esta mesma topologia.

Lema 2: Seja \mathcal{C} uma família de subconjuntos de X que cubra X e tal que \emptyset \in \mathcal{C} (podemos acrescentar X,\emptyset à família sempre que necessário). Então, \tau(\mathcal{C}) é formada pelas uniões de interseções finitas de elementos de \mathcal{C}. Em particular, \beta(\mathcal{C}) = \{ A_1 \cap \dotsb \cap A_n : A_j \in \mathcal{C}, n \in \mathbb{N}\} é uma base para \tau(\mathcal{C}).

Demonstração:
É evidente, já que uma topologia é fechada por interseção finita, que qualquer topologia que contenha \mathcal{C} deve necessariamente conter \beta(\mathcal{C}). Do mesmo modo, qualquer topologia que contenha \beta(\mathcal{C}), deve conter as uniões arbitrárias de seus elementos, e portanto deve conter \tau(\mathcal{C}). Se mostrarmos então que \tau(\mathcal{C}) é de fato uma topologia, será necessariamente a menor que contém \mathcal{C}.

Basta então — boa sorte 😛 — verificar que (X, \tau(\mathcal{C})) satisfaz os devidos axiomas para ser um espaço topológico.

Como os elementos não vazios de \tau(\mathcal{C}) são uniões de elementos de \beta(\mathcal{C}), então \beta(\mathcal{C}) é uma base para a topologia \tau(\mathcal{C}).


Definição: Sejam (X_1, \tau_1), \dotsc, (X_n, \tau_n) espaços topológicos. A topologia em X = X_1 \times \dotsb \times X_n gerada pela família A_1 \times \dotsb \times A_n para A_j \in \tau_j é a topologia produto em X. Esta topologia também pode ser caracterizada como a menor tal que a projeção canônica \pi_j: X \rightarrow X_j é contínua. Como a família geradora cobre X e é fechada por interseção finita, temos que além de geradora, esta família é uma base para a topologia produto.

Observação: É fácil verificar — dever de casa… — que se \mathcal{C}_j são sub-bases de \tau_j, então a topologia produto é gerada pela família A_1 \times \dotsb \times A_n para A_j \in \mathcal{C}_j.

Lema 3: A topologia produto \tau_1 de X_1 \times X_2 \times X_3 é igual à topologia \tau_2 de (X_1 \times X_2) \times X_3 quando fazemos a identificação canônica entre ambos os espaços.

Demonstração:
Pela observação acima, \tau_2 é gerada por A_{12} \times A_3, onde A_{12} é da forma A_1 \times A_2. Ou seja, ambas as topologias são geradas por conjuntos da forma A_1 \times A_2 \times A_3 e portanto são iguais.


A versão do teorema de Tychonoff para uma família finita segue dos lemas acima.

proposição: Sejam (X_1, \tau_1), \dotsc, (X_n, \tau_n) espaços topológicos compactos, e X = X_1 \times \dotsb \times X_n. Então, X é compacto na topologia produto.

Demonstração:
Pelo lema 3, basta mostrar para o caso n = 2. Pelos lemas 1 e 2, precisamos mostrar que toda cobertura de X_1 \times X_2 da forma A_{\lambda1} \times A_{\lambda1} \in \tau_1 \times \tau_2, \lambda \in \Lambda, possui uma subcobertura finita.

Para todo a \in X_1, seja \Gamma(a) = \{ \lambda \in \Lambda : a \in A_{\lambda1} \}. Então, a família A_{\gamma 2}, \gamma \in \Gamma(a) cobre X_2 e portanto, tem uma subcobertura finita dada por \Gamma'(a) \subset \Gamma(a). Fazendo A(a) = \bigcap_{\gamma \in \Gamma'(a)} A_{\gamma 1}, temos que A(A) é aberto e que A(a) \times X_2 \subset \bigcup_{\gamma \in \Gamma'(a)} A_{\gamma 1} \times A_{\gamma 2}.

Como X_1 = \bigcup_{a \in X_1} A_a é compacto, existem a_1, \dotsc, a_m tais que X_1 = A(a_1) \cup \dotsb \cup A(a_m). Assim, X_1 \times X_2 = \bigcup_{j=1}^m (A(a_j) \times X_2) \subset \bigcup_{j=1}^m \bigcup_{\gamma \in \Gamma'(a_j)} A_{\gamma 1} \times A_{\gamma 2}. Ou seja, \Gamma = \bigcup_{j=1}^m \Gamma(a_j) dá uma subcobertura finita.

5 Responses to Teorema de Tychonoff e o tal Alexander — parte 1: caso finito

  1. Fernando disse:

    Cara, eu gostei desse post!
    hauhauahuahuaauhauahuahauahuahauhauahauhauhauah
    É bom que eu nem preciso do Kelley para rever isso… hauhauhauahuahua… (brincadeirinha) =)

    O Kelley, para o caso infinito, faz com esse lema de Alexander… Mas eu já vi outra demonstração usando redes.
    Aliás, eu pouco gostava de redes, mas depois de ver a demonstração usando elas, comecei a gostar… para demonstrar usando redes, desenvolve um pouco a teoria de redes (se não me engano, algo sobre “redes universais”). E usa algum lema forte (cua demonstração evidentemente depende do lema de zorn/axioma da escolha também).

    Bom, o post ficou massa,

    Abraço
    e
    Até mais =)

    • andrecaldas disse:

      Pra quem já se acostumou com o uso de abertos, esse negócio de rede acaba deixando a pessoa meio desconfiada. Acho que é porque aprendemos que sequencialmente compacto não é o mesmo que compacto, sequencialmente contínuo não é o mesmo que contínuo, e por aí vai. Aí com esse negócio de rede a gente acaba se perguntando: por que é que “com redes” tá certo e “com sequências” tá errado? O incômodo vem da dificuldade de responder a esta pergunta.

      Dada uma rede, para escolher uma sub-rede que seja universal precisamos do axioma da escolha. Mas não só isso, precisamos (ao menos eu preciso) usar filtros. A ideia de rede universal é análoga à de ultra-filtro. Mas acho que o mais importante é refletir sobre “o que é uma rede universal?” Ou “o que é um ultra-filtro?” Entender ultra-filtros me parece mais fácil, e a existência dos ultra-filtros é bastante imediata do lema de Zorn. Esse livro tem um tratamento legal de redes: Analisys Now.

      Um abraço,
      André Caldas.

      • Fernando disse:

        Eh!
        Verdade! Acabei me interessando por redes tarde… A primeira vez que ouvi sobre redes foi exatamente numa hora que eu estava errando (usando seqüências (na verdade, achando que necessariamente que há uma seqüência que convergia par um ponto de acumulação de um subconjunto (o que é falso para seqüência e verdadeiro para redes)) ).
        Mas por eu ter visto redes primeiramente nesse contexto, eu meio que entendi o porquê as coisas não dão certo com seqüências… o meu desconforto era por outro motivo.
        Por que usar redes quando usando abertos conseguimos as mesmas coisas? (e redes é um tanto mais complicado). Eu nunca tinha me deparado com uma situação em que redes era relativamente mais simples de trabalhar…
        Então eu ficava achando que redes era só para a galera que viciou em seqüências nos espaços métricos…

        Mas, quando eu vi o caminho para demonstrar o teorema de Tychonoff (usando redes), eu gostei bastante! =)

        Bom, valeu por ser detalhista! Você escreve muito bem (tanto no post quanto no comentário).
        Eu estou meio apressado agora, então vou lá!

        Depois, posto a raiz quadrada de matriz,

        Abraço

  2. Fernando disse:

    Ah! Vc ainda pretende escrever o caso geral?

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