Neste post, vamos tratar apenas os espaços vetoriais reais.
Em análise funcional, o teorema de extensão de Hahn-Banach é uma ferramenta que nos garante a existência de uma gama de funcionais lineares em um espaço de Banach. Na verdade, vamos mostrar que não precisamos que o espaço seja de Banach. Em geral, estamos considerando um espaço vetorial topológico. Que é simplesmente um espaço vetorial dotado de uma topologia de Hausdorff (dependendo do autor a topologia não precisa ser Hausdorff) onde as operações do espaço vetorial são contínuas. Vamos então, fazer algumas observações sobre os espaços vetoriais topológicos. Nosso objetivo final é esclarecer o papel desempenhado pelo chamado funcional de Minkowski.
Definição: Um espaço vetorial dotado de uma topologia de Hausdorff é um espaço vetorial topológico quando as operações e , onde e são contínuas quando consideramos a topologia produto nos espaços e .
Proposição: Seja um espaço vetorial topológico. Então,
1. Para todo , é um homeomorfismo.
2. Para todo , é um homeomorfismo.
Demonstração:
As aplicações, além de contínuas, são inversíveis e suas inversas são contínuas. (Não falei nada além da definição de homeomorfismo aqui! :-P)
O item 2 da proposição acima mostra que a topologia é completamente determinada se conhecermos o sistema de vizinhanças de um ponto. Claro que na maioria das vezes, esse ponto será o . Ou seja, se for a família de todas as vizinhanças da origem, então será a família de todas as vizinhanças de . De modo mais conciso: . Observe que essa afirmação não considera o produto por escalar, e portanto vale para grupos topológicos em geral.
No caso de espaços vetoriais normados, bastava conhecermos uma vizinhança limitada de um ponto para determinarmos todas as vizinhanças de . De fato, fica como exercício completar o argumento, mas se é uma vizinhança limitada de , então é uma vizinhança limitada de e é uma base de vizinhanças para . Este não é o caso para espaços vetoriais topológicos em geral. No entanto, mostramos a seguir, uma construção parecida.
Construção: Sejam um espaço vetorial e que contenha a origem. Podemos construir a menor topologia em tal que seja vizinhança da origem e as operações do espaço vetorial sejam contínuas. De fato, basta fazer de uma base para . Não fosse pela falta de garantia de que esse espaço é de Hausdorff, teríamos um espaço vetorial topológico. Essa construção é útil, pois muito do que demonstramos para espaços vetoriais topológicos não exige o axioma de separação de Hausdorff. Poderíamos também, estender esta construção para uma família que contenha .
As duas formas mais conhecidas do teorema de extensão — deve haver mais 😉 — são as chamadas forma analítica e forma geométrica. A forma analítica se utiliza do chamado funcional de Minkowski, e a geométrica de subconjuntos convexos. O funcional de Minkowski fornece um certo controle sobre a extensão que será construída. Alguns exemplos de restrições que podemos querer impor à extensão de um funcional linear definido em um sub-espaço de :
1. Se é um espaço normado, podemos querer estender a , de modo que .
2. Dados dois pontos , podemos querer um funcional linear que separe ambos. Ou seja, .
3. Dados dois sub-conjuntos , podemos querer, se possível, um funcional linear que separe ambos. Ou seja, tal que .
4. Se é um espaço vetorial topológico, podemos querer que a extensão seja contínua.
O item 1 é o mais simples. Já temos que satisfaz . O lado direito é o caso mais simples de funcional de Minkowski.
Para o item 4, note que assim como fizemos em um post anterior, para que um funcional linear seja contínuo basta que a imagem inversa de algum conjunto limitado tenha interior.
Definição: Dado um espaço vetorial , um funcional de Minkowski é uma aplicação que satisfaz:
1. Para todo , .
2. Desigualdade triangular: .
Ao contrário de uma norma, o funcional de Minkowski pode ser negativo! Por exemplo, todo funcional linear é um funcional de Minkowski. Mas em todas as aplicações que eu já vi, o funcional de Minkowski é positivo. Em muitas ocasiões, o funcional de Minkowski será simplesmente uma semi-norma. Um exemplo de uma semi-norma: o valor absoluto de um funcional linear . Ou seja, .
Antes de falar mais sobre o funcional de Minkowski, vamos enunciar a forma analítica do teorema de extensão.
Teorema (extensão de Hanh-Banach — forma analítica): Sejam um espaço vetorial, um subespaço, um funcional linear e um funcional de Minkowski tais que . Então existe um funcional linear tal que e .
A demonstração usa o lema de Zorn associado ao fato de que se podemos sempre extender ao espaço gerado por e .
É interessante notar que o teorema não faz referência direta a nenhuma topologia em . No entanto, se , então o fato de implica que é contínuo na topologia construída, conforme mencionado anteriormente, a partir do conjunto convexo . Em particular, se for um espaço vetorial topológico e , então será um funcional contínuo, pois conterá que possui interior. (veja diversas caracterizações de continuidade aqui.)
O parágrafo anterior sugere uma relação entre os funcionais de Minkowski e os conjuntos convexos abertos que contém a origem. O fato, que nos levará à versão geométrica do teorema, é que dado um conjunto convexo aberto , vizinhança da origem de um espaço vetorial topológico , podemos construir um funcional de Minkowski , tal que . Pelas observações do parágrafo anterior, qualquer funcional linear que satisfaça será contínuo com relação a . Novamente, não precisamos em momento algum que a topologia seja gerada por uma norma!
Proposição: Seja um espaço vetorial topológico e aberto e convexo. Então, a função é um funcional de Minkowski. Também vale que .
Demonstração: Como tem interior, sabemos que para todo , existe tal que . Portanto, para todo temos que . (Desafio: Demonstre a primeira afirmação! Lembre-se que não é um espaço normado. Dica: A continuidade do produto por escalar implica que .)
Se , então, . Portanto, . (Pergunta: onde foi usado que ?)
Para a desigualdade triangular, note que se e , então . Em geral, . Mas pode ser que . No entanto, como é convexo, temos que para , .
A última afirmação é imediata. Note que precisamos que seja aberto apenas para essa última afirmação. Para que seja um funcional de Minkowski, bastava que . Neste caso, teríamos .
Se aplicarmos a forma analítica do teorema da extensão para um espaço vetorial topológico , utilizando como funcional de Minkowski para alguma vizinhança convexa da origem (se é que existe uma), teremos que o funcional linear resultante será contínuo, haja visto que implica que . Ou seja, é vizinhança da origem. Novamente, enfatizamos, que a topologia em pode não ser dada por uma norma. Basta que seja um espaço vetorial topológico. (Nem mesmo precisa ser Hausdorff.)
Teorema (extensão de Hanh-Banach — forma geométrica): Sejam um espaço vetorial topológico e convexos e disjuntos, com aberto. Então existe um número real e um funcional linear tais que para todo e .
Demonstração:
Tome e e faça .
Afirmação 1: O conjunto é uma vizinhança convexa e aberta da origem.
Soma de convexos dá um conjunto convexo. Produto por escalar e translação de convexos também dá um conjunto convexo. Como , temos que . Para ver que é aberto, basta notar que é uma união de abertos: .
Agora, pela afirmação 1, podemos considerar o funcional de Minkowski .
Afirmação 2: .
Basta notar que como , então . Portanto, . No entanto, sabemos que .
Defina então, .
Afirmação 3: .
De fato, pela afirmação 2, para , ; e para , .
Então, pela versão analítica do teorema de extensão, existe tal que e . Resta agora mostrar que somos sortudos o suficiente para que seja exatamente o funcional que estamos procurando.
Afirmação 4: .
Note que para e , como , temos que . Assim, . Ou seja, .
Faça então . Resta então mostrar que para nenhum podemos ter .
Afirmação 5: O conjunto não possui máximo.
Seja . Pela continuidade do produto por escalar e da soma, como é aberto, existe tal que . Assim, . Ou seja, não é ponto de máximo.
Uma coisa que fica faltando, é mostrar a importância de se considerar espaços vetoriais topológicos de um modo geral, ao invés de considerar somente os espaços normados. Os espaços vetoriais normados podem ser dotados de outras topologias, como a topologia fraca induzida pelo espaço dual; ou, também, no caso do dual, a topologia fraca-*, induzida pela identificação natural do espaço normado como um subespaço do seu bi-dual. Em particular, o dual de um espaço normado possui ao menos três topologias importantes (que podem coincidir): a topologia da norma de operadores, a topologia induzida pelo bi-dual (topologia fraca) e a topologia fraca-*.
Por exemplo, seja um espaço normado. Pela forma geométrica do teorema de extensão, é evidente que dados dois conjuntos convexos disjuntos, onde é aberto, podem ser separados por um elemento do espaço bi-dual. No entanto, é verdade que podem ser separados por um elemento ? A resposta é afirmativa no caso de ser aberto na topologia fraco-*.
Proposição: Seja um espaço normado e dois subconjuntos do espaço dual. Se é fraco-* aberto, então existem e tais que para todo e todo , .
Demonstração:
Sabemos que existem e um elemento que é contínuo na topologia fraco-* e que para todo e todo , satisfaz .
Não é difícil mostrar, mas não faremos aqui porque o negócio já tá muito longo, que todo elemento que é fraco-* contínuo, é da forma , o que concluí a demonstração.
Observação:
Onde eu vi, era definido como ínfimo dentre os tais que . Eu achei que fazer é bem mais visual por causa da imagem do conjunto crescendo (ou encolhendo) para conter (e ainda assim, contendo) .
Fonte: Analysis Now de Gert K. Pedersen.